domingo, 10 de janeiro de 2016

[RESENHA] O Livro do Silêncio



Título: Deuses de Dois Mundos – O Livro do Silêncio | Autor: PJ Pereira | Páginas: 261 |Editora: Da Boa Prosa
Se você está cansado de ler sobre a mitologia grega e os conflitos entre os três irmãos do poder Zeus, Poseidon e Hades, ou sobre cavaleiros da idade média dignos da Távola Redonda do Rei Arthur, então vou lhe falar sobre algo que possa ser de seu agrado, Deuses de Dois Mundos – O Livro do Silêncio. O primeiro volume da trilogia de PJ Pereira, brasileiro, natural do Rio de Janeiro, que além de escritor é um grande Publicitário e mente por trás da Agência Pereira & O’Dell, que possui um trabalho internacionalmente reconhecido com diversos prêmios na área.

O autor se emprestou da mitologia Iorubá, originária do oeste africano e disseminada pelo Novo Mundo através do sistema escravocrata na América, gerando religiões como Umbanda, Candomblé e outras por entre as colônias européias. Os mitos ou crenças iorubas (depende do que você acredita) são muito ricos e é sempre interessante ver os orixás em ação, espécies de entidades e forças da natureza nascidos da força do Criador, ou seres humanos fantásticos que se tornaram como essas forças e assim converteram-se em orixás.


O livro desenrola-se em duas narrativas diferentes, uma em primeira pessoa através dos e-mails de Newton Fernandes, um jornalista paulista pronto pra usar de toda sua astúcia para subir o degrau do sucesso na sua carreira. Em seus e-mails ele descreve sua vida e estranhas experiências, viagens astrais, onde ele visualiza uma realidade de orixás e guerreiros extraordinários que parecem viver em outro lugar e tempo. New mantém contato com uma pessoa que utiliza o pseudônimo de Laroiê, que parece ter uma melhor noção sobre o que está acontecendo. 

A outra narrativa é feita em terceira pessoa e é onde localizamos a verdadeira problemática da trama e a razão das visões de Newton. Orunmilá, o maior de todos os adivinhos, vê seus instrumentos místicos falharem na tentativa de vislumbrar o futuro, isso ocorria não apenas com ele, mas como todos os outros adivinhos. É então que se inicia uma jornada para resgatar o Destino de volta, e para isso, Orunmilá precisará da ajuda de um grupo de guerreiros.

“Do meio da floresta, o adivinho se concentrou. Jogou os búzios. Todos os 16 emborcados numa sinistra mensagem repetida: Silêncio.”

A escolha pela mitologia Iourubá foi genial e em contrapartida gerou certa repulsa para algumas pessoas. É fato que apesar da cultura africana ser basilar na formação do povo brasileiro, ainda existe um preconceito absurdamente grande, um fenômeno que acredito nenhum antropólogo ter conceituado ainda. O choque com o politicamente correto surge em alguns momentos, trazendo uma ideia de honra e dignidade um pouco diferentes do que estamos acostumados, tratando alguns temas como coisas mais naturais, por exemplo, a sexualidade, que é marcante no livro, mas sem torná-lo promíscuo.

“Os dedos delicados continuaram a se arrastar pelo seu corpo marcado pela guerra, arrancando calafrios que o soldado jamais sentira. E foi no meio de um desses arrepios que o Oxum passou os lábios úmidos pelo rosto de um Ogum quase imóvel, não fosse o tremor que vez ou outra lhe desmascarava o aparente controle.”

A cisão de narrativa também gera uma divisória em como nos sentimos ao longo do texto, a vida de um jornalista ambicioso que passa a ter experiências sobrenaturais pode ser interessante até certo tempo, mas depois você cansa de ler sobre suas dicas gastronômicas que são compartilhadas com Laroiê, então é muito mais interessante ver Xangô e sua força descomunal, ou Oxóssi e sua eximia habilidade com o arco. Laroiê, por outro lado, me parece muito estranho, nós lemos apenas os emails de New, então podemos apenas deduzir o que Laroiê escreve, mas sinceramente, quem confia em um guru anônimo na internet? Parece muito forçado, mas acaba sendo aceitável em razão de Newton estar completamente perdido.



Esse sentimento de não saber onde está pisando se torna uma realidade não apenas do jornalista, mas nossa também. Para aqueles que não são grandes conhecedores dessa cultura, como eu, as informações trazidas não nos satisfazem e muitas vezes gostaríamos que o autor se empenhasse mais em nos instruir, acredito que a intenção dele era fazer com que desejássemos pesquisar mais a fundo por nós mesmos, mas não dá pra contar que todo leitor fará isso.

“Um cajado de prata, uma mão negra. Os pés descalços. Um rosto sereno e envelhecido, costas curvadas e joelhos enfraquecidos de um homem que aparentava uns 90 anos. Não sabia quem era, muito menos o que queria. Mas estava lá para me levar a algum lugar. Só podia ser um Deles. E se Eles quisessem me fazer algum mal, já o teriam feito.”

Uma das coisas que me incomodou foi a utilidade nebulosa de Newton, ele parece insignificante em parte considerável do livro, mas se ficar atento irá perceber como ele é fundamental na jornada dos heróis, para compreender isso é preciso que você tenha uma noção de Destino como algo que está muito além de futuro, na verdade esse conceito é apresentado como uma grande roda do tempo, portanto afetando passado, presente e futuro de uma vez só 

Algo que pode deixar o leitor confuso ao longo da obra é a utilização dos termos africanos, mas para isso existe um glossário ao fim do livro, aconselho que consulte-o e familiarize-se com ele e não tenha medo do dialeto, as palavras possuem uma fonética forte que dá uma sensação de força para quem lê. E mesmo com essas expressões a leitura é bem leve e fluída nas duas formas de narração, assim o livro acabou bem rápido e fiquei até um pouco frustrado porque estava esperando um clímax mais poderoso.



Em suma, a ideia central é muito boa, PJ realmente demonstrou que é cabível criar uma trama interessante e fantástica a partir de uma mitologia tão menosprezada, contudo o Livro do Silêncio parecer ter um caráter introdutório muito grande, o que deixou a função do protagonista um pouco borrada e sua vida tediosa em alguns momentos. Essas pequenas críticas que deixei ao longo da resenha podem ser sanadas nas continuações do livro que pretendo ler em breve.

Bom, essa é minha resenha e recomendação por hoje, espero que tenham gostado e apreciem a leitura de algo diferente e ainda assim tão presente no nosso país. Vale lembrar que o PJ já vendeu os direitos para a produção de um filme ou série, mas isso ainda está sendo debatido.

Axé* pra vocês! Até a próxima.


Abaixo o link do Book Trailer da obra narrado por Gilberto Gil, na boa, quem é que tem o Book Trailer narrado por Gilberto Gil?! 


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*Axé: Termo Iorubá para “energia, força”

27 comentários:

  1. Não conhecia e adorei a forma de como conduziu a resenha.
    Nomenti não seria o tipo de leitura,acho que vou esperar o livro ou a série.
    Bjus

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. uito obrigado. Eu acredito que eles farão na forma de série mesmo, a divisão em filme por trilogia (Como se está na moda hoje) não daria muito certo com essa obra.
      Beijo, até a próxima.

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  2. Se gostei? eu amadorei. Essa trilogia estou tentando comprar desde o ano passado, quero muito ler, mas o preço na livraria ainda não cabe no meu orçamento. Eu concordo com você que a mitologia africana é menosprezada e é isso que mais querer ainda mais o livro, não aguento mais história eurocêntrica. Perfeito! Perfeito!

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    1. Hey, Lilian! É verdade, essa polarização cultural é tão forte que rejeitamos até mesmo o que deveria ser natural para nós. Fico muito feliz que tenha amadorado Haha
      Até a próxima.

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  3. Oii,

    Estou bem de olho nesse livro viu!!! Já vi em vários lugares e também um booktuber falando desse livro, e fiquei bem encantada. Gostei bastante de sua resenha, e com certeza vou colocar esse livro em minha lista.

    beijos

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    1. Olá, fico feliz que tenha gostado. Realmente PJ está fazendo sucesso, acredito que com o possível trabalho em filme/série possa levar a obra a sucesso internacional.
      Beijo, até mais.

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  4. Oie
    esse é um livro que não leria por fugir totalmente do que curto ler mas tive um amigo que adorava, então deve ser uma ótima leitura para amadores desse gêenro

    Beijos
    http://realityofbooks.blogspot.com.br/

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    1. Olá, Catharina. Obrigado pelo comentário, espero e breve escrever sobre algo que lhe agrade mais haha
      Beijo.

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  5. Olá.
    Adorei a resenha.
    Eu adoro mitologias, e mesmo as mais desconhecidas podem ser cativantes, então acho bacana a ideia de utilizar mitologias não tão famosas na construção de uma trama. Espero ter oportunidade de ler esse livro, mas gostaria de ter outros livros lançados quando eu for ler hehehe. Ainda mais por esse ter mais um caráter introdutório.

    Beijos
    http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br/

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    1. Olá, Carol. Fico feliz que tenha gostado. Os outros livros já foram publicados, o segundo é intitulado "O Livro da Traição" e o terceiro é "O Livro da Morte".
      Beijo, até a próxima.

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  6. Poxa, eu realmente fiquem bem interessada nesse livro, até porque é muito comum vermos livros de mitologia grega, e a escolha de uma mitologia tão diferente despertou muito minha atenção. Uma dica que anoitei pra ler assim que possível.

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    1. Hey, Vân. Obrigado pelo comentário, é sempre interessante expandir nossa mente com coisas novas.
      Abraço.

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  7. Ainda não conhecia o livro, por sua resenha, me interessei e fiquei curioso para ler, valeu pela sugestão.

    Frases, Trechos e Pensamentos

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    1. Hey, Lucas. Obrigado pelo comentário, espero que seja de seu agrado literário.

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  8. Já tinha visto resenhas sobre o livro em outros sites. É realmente uma ideia incrível pegar a mitologia africana e montar uma ficção baseada nela. Talvez o autor pudesse trabalhar melhor o dialeto específico ao ongo do livro sem que o leitor precise ir ao glossário o tempo todo. Outra coisa, se ele estendesse a história para uma duologia, talvez desse para aprofundar melhor os pontos superficiais da história. Adorei seu texto, você fez uma belíssima resenha!
    Até + ver! Nu.
    As 1001 Nuccias | Curtiu?

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    1. Nu, o dialeto é mais dificultoso no início da obra, depois você pode ler naturalmente. Sobre a Duologia, eu concordo com você, poderia ser mais interessante. Mas parece que os autores atuas têm algum fascínio por trilogias haha
      Abraço, Nu!

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  9. Amei a ideia de usar a mitologia Africana, muito original! Adorei sua resenha, ressaltou muito bem os pontos positivos e negativos e fico triste em saber que pode ficar um pouco complicado de ler pelo excesso de termos africanos.
    Ainda assim, parabéns ao autor pela ideia e espero sair o próximo livro para conferir! :D

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    1. Que bom que gostou da resenha, Dany. Fique tranquila quanto aos termos iorubá, eles são empecilhos apenas durante o início da leitura, depois fica algo bem natural.
      Beijo, até a próxima

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  10. Não tenho costume de ler nada sobre qualquer tipo de mitologia, apesar de achar algumas bem interessantes. Bom, para ser sincera eu não gosto muito desse tema e essas coisas de orixás e etc. não me atrai. Mas sempre fico feliz em ver como o mercado literário nacional está se expandindo e ganhando novos horizontes, inclusive cada vez mais espaço em blogs literários. Isso é bem legal ☺

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    1. Sério, Alexia? Eu acho muito interessante, mas enfim, cada um com seus gostos. E tem razão, é bom saber que a literatura nacional cresce, isso indica que o nosso povo está lendo mais, e quando um povo lê mais, isso é início de mudança.
      Abraço

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  11. Achei a premissa bem diferente e até confusa, admito. Sua resenha ficou muito legal e bem desenvolvida. Não é uma leitura pela qual me sinta atraída no momento, mas não descarto a possibilidade de ler daqui algum tempo! :)
    Beijos

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    1. Olá, Gabrielly, obrigado pelos elogios. Entendo o que quer dizer, parece que leitor tem época e estação para gêneros literários ^^
      Beijo

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  12. Olá,
    Como eu não me interesso muito pelo assunto, não leria.
    Não é sobre algo que eu entenda.

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    1. Bom, Angel, acho que nós aprendemos sobre coisas novas lendo sobre elas, não as evitando. Mas cada um com seu gosto haha
      Abraço

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  13. O livro é parece ser bastante interessante, principalmente por explorar a cultura africana e sair do mesmo de sempre, adorei a resenha e fiquei curioso em relação á historia!!

    Abraços e até!!

    lendoferozmente.blogspot.com.br

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    1. Fala, Luan. Fico feliz que tenha gostado da resenha, espero que a sugestão lhe agrade.
      Abraço!

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