segunda-feira, 2 de março de 2015

Cortem-me a cabeça!

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO 'O LADO MAIS SOMBRIO"

SINOPSE

Alyssa Gardner ouve os pensamentos das plantas e animais. Por enquanto ela consegue esconder as alucinações, mas já conhece o seu destino: terminará num sanatório como sua mãe. A insanidade faz parte da família desde que a sua tataravó, Alice Liddell, falava a Lewis Carroll sobre os seus estranhos sonhos, inspirando-o a escrever o clássico Alice no País das Maravilhas.
Mas talvez ela não seja louca. E talvez as histórias de Carroll não sejam tão fantasiosas quanto possam parecer. 
Para quebrar a maldição da loucura na família, Alyssa precisa entrar na toca do coelho e consertar alguns erros cometidos no País das Maravilhas, um lugar repleto de seres estranhos com intenções não reveladas. Alyssa leva consigo o seu amigo da vida real o superprotetor Jeb , mas, assim que a jornada começa, ela se vê dividida entre a sensatez deste e a magia perigosa e encantadora de Morfeu, o seu guia no País das Maravilhas.
Ninguém é o que parece no País das Maravilhas. Nem mesmo Alyssa...
Título: O Lado Mais Sombrio (Splintered); Autor: A.G. Howard; Páginas: 368 Editora: Novo Conceito; Ano: 2014;



Dentre as historinhas infantis que eu mais gostava de ouvir, uma delas era Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, que fantasiava um universo alternativo num sulco de realidade – ou, vá saber, nos sonhos de uma simples garota dedicada a ler livros com gravuras. Então surgiu o filme de animação baseado na história e era sempre o que eu repetia duas ou três vezes após o almoço sempre que chegava da escola. E assim, lembro-me de passar parte da minha infância a escrever palavras com M à procura da semelhança entre um corvo e uma escrivaninha. Eu cresci e isso ficou passado, claro, mas então veio a adaptação cinematográfica de Tim Burton e eu me apaixonei novamente. E, todos que me conhecem sabem que quando eu gosto de algo, repito até me cansar. Já tem um tempinho desde então e, ano passado, a Novo Conceito – xodó desse Brasil – resolveu nos presentear com a releitura de Alice no País das Maravilhas, intitulada “O Lado Mais Sombrio”.

Alyssa Victoria Gardner sofre desde pequena por ser descendente de Alice Lidell – a musa inspiradora do universo psicodélico de Lewis Carrol –. Isso se dá, sobretudo, pelo fato de sua mãe ter sido internada numa clínica psiquiátrica devido ao um louco incidente que ocorreu quando ela era menor, de forma que Alyssa não teve uma mãe muito presente em sua vida. Embora ame sua progenitora materna, a protagonista busca ao máximo não se parecer com sua mãe, tendo um estilo bastante alternativo, com dreadlocks, sombras escuras e um skate sempre à mão, fugindo ao padrão clássico de protagonistas femininas. Mas não para por aí.

O que acontece é que Alyssa tem um pequeno probleminha. Todas as mulheres da família nascem com a habilidade de ouvir insetos e plantas e, desde que essa habilidade começa a aflorar, a garota se vê diante de duas inverdades, sendo elas: a) sua mãe não é tão louca quanto parece; b) ela é tão louca quanto a mãe.


Afinal, como poderia o País das Maravilhas ser maravilhoso sem a loucura que o constrói?
Logo nos primeiros desenrolares da trama, Alyssa descobre a resposta para essa pergunta: Não poderia. Quando Alice visitou essa dimensão mágica com o sua mente racional e perfeitamente sano, acabou por deixar uma bagunça – coisas como chorar um rio de lágrimas e racionar populações de mariscos, por um ponto final do chá da tarde, etc. –, que deixaram a lógica (?) e a magia do lugar um tanto quanto disfuncionais e, assim, amaldiçoar Alice e todas as suas gerações descentes no sexo feminino eternamente.

E, assim, inicia a jornada da protagonista: retornar ao País das Maravilhas e reparar os erros de Alice para livrar sua linhagem da maldição. Entretanto. Nada é o que parece quando se trata de reler a nação de Lewis Carrol.

Desde o começo, nota-se que a obra escrita por A. G. Howard se mostra um tanto quanto avessa – apesar de perfeitamente congruente – com a “historinha de criança”. Desde momentos antes de mergulhar na toca do coelho, percebe-se que o país das maravilhas foi remodaldo a uma premissa de certa forma mais adulta, gótica e, sobretudo, sombria.

É um livro cheio de reviravoltas, mentiras, falsos seguimentos, verdades mascaradas de mentira. Impossível diagnosticar o porque de a própria Alyssa não ter enlouquecido em meio a isso tudo. Ou, talvez, tenha sido mesmo isso que aconteceu.  O País das Maravilhas original está basicamente destruído e, aos poucos, novos elementos surgem para reanimá-lo e trazê-lo de volta àquele tradicional de forma mais (sur)realista.

Em meio a esse jogo de mentiras e interesses, o romance se instaura e ocorre paralelamente à trama do livro, de certa forma ocorrendo várias pausas e saltos entre as ocasiões afetivas e o desenvolvimento do plot central, para que ambos se unam no conflito final, gerando ainda mais reviravoltas.

Em todo caso, não é algo que chegue atrapalhar a leitura do livro, mas incomoda. Alyssa vive entre um relacionamento impossível com seu amigo comprometido Jeb e o seu amigo de infância dos sonhos Morfeu – sobre quem falaremos mais adiante –.

O que chama a atenção em meio a tudo isso é, de fato, a fuga dos clichês. Alyssa não é uma garota frágil que precisa se apegar a um garoto para que consiga se desenvolver e passar pelos conflitos da trama central – ela é totalmente o oposto disso –. Jeb, seu relacionamento de primeiro plano, não é um príncipe encantado e não é um badboy com aversão a regras. Ele simplesmente tem o seu estilo próprio, é um skatista como Alyssa e embarca nessa aventura pelo País das Maravilhas com o intuito de proteger sua amada. Contudo, a todo momento é Alyssa quem precisa protegê-lo – com algumas breves exceções, claro –. E a partir daí se gera um conflito interno interessante de se acompanhar: ele a ama e não é capaz de protegê-la, enquanto outro rapaz (se assim podemos chamar Morfeu) está perfeitamente à altura da garota, e a deseja tanto quanto ele.
Falando, então de Morfeu, como a personificação alada da mariposa (que na verdade é aquela lagarta fumante que se transforma em borboleta, lembram dela?), ele representa um dos principais mistérios do livro. Mesmo quando a trama central está prestes a se concluir, nunca se sabe quando os ocorridos no País das Maravilhas estão ou não sendo orquestrados por ele e quais suas verdadeiras intensões, de forma que nem mesmo os leitores mais ariscos se propõem a decidir se trata-se de um mocinho ou um vilão. Na infância de Alyssa, foi ele quem a guiou pelo país das maravilhas em seus sonhos na forma de menino, ensinando-a certas coisas que lhe seriam de utilidade posteriormente, de forma que criou-se uma laço afetivo inimaginável com a garota, sendo a todo momento posto à prova.

No livro, sente-se falta da inocência que leva o leitor a ter medo e suar frio pelos personagens nos momentos de tensão – exceto, é claro, quando isso acontece inevitavelmente no final do livro –. As personagens são bem desenvolvidas desde o começo, e ainda assim evoluem no decorrer do livro.

A narrativa é bastante agradável. Desde o começo é possível habituar-se a ler sobre o modo de vida e a forma com que pensa a personagem central. É como se tudo fosse descrito da maneira certa, na hora certa. Há um certo nível de detalhe em tudo o que é dito, que ajuda consideravelmente a imaginar as cenas de cada trecho do livro, e ao mesmo tempo não chega a ser nada rebuscado demais e cansativo. Além de que, é sem dúvidas o primeiro livro que eu leio sem um único erro de revisão, e eu costumo notar bastante esse tipo de coisa. Uma leitura perfeitamente saudável.

O enredo é, tecnicamente, à prova de falhas. Tudo é muito bem escrito, e explicado. Uma linha do tempo perfeitamente racional e, como dito anteriormente, cheio de reviravoltas. Contudo, entre tantas voltas e rodopios, é comum que se alcance certa tontura ao ler o livro – isto é, se confundir ou não entender algo – acarretando na releitura de algumas páginas ou capítulos.
A diagramação do livro é excepcional. A tipografia tanto do corpo quando dos títulos são diferentes do convencional, ainda assim de uma forma que agrada à leitura e não provoca certos estranhamentos que se veem em alguns livros. O miolo e a capa são bastante resistentes – embora eu tenha me atrapalhado com algumas folhas coladas nas laterais –. Sobretudo, a capa é simplesmente magnífica. Eu costumo muito julgar os livros pela capa, e é quase impossível não ficar admirando-a momentos antes de começar a leitura.


No mais, é um livro bom, eletrizante e suave ao mesmo tempo. Cumpre o que promete e vai além das expectativas com os espasmos de criatividade que surgem pelo enredo. É uma história infantil perfeitamente moldada à literatura infanto-juvenil, numa vertente mais gótica e, definitivamente sombria. Com certeza comecei o ano com o pé direito. 


- (...) Agora, me escute, Alyssa Victoria Gardner. Normal é algo subjetivo. Nunca deixe que ninguém lhe diga que não é normal. Porque para mim você é. E a minha opinião é que vale. Entendeu? (LISPECTOR, Jebbediah) 


21 comentários:

  1. Ganhei esse livro e o segundo, porem até hoje não consegui ler, emprestei uma amiga e ela não devolveu.
    Estou bem curiosa com essa nova versão de uma historia já tão conhecida, principalmente que você alegou que a Alice desse livro não é aquela menina bobinha e que a editora caprichou na revisão.
    http://coisasdemineira.blogspot.com.br/

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  2. Já ouvi falar bastante desse livro e fico muito curiosa para ler logo, só que eu tenho muitos livros para ler na frente </3 A capa é bem linda e instigante.
    http://garotaliterary.com

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  3. Olá ;)

    Esse livro é 8 ou 80, né?
    Vi muitas críticas negativas, por isso até passei o meu pra frente. Tem algumas releituras que eu acho que acabam estragando a história. Curti sua resenha, você mostrou pontos bem importantes da narrativa e das mudanças de uma história para a outra. Sei lá, acho que prefiro não ler. Diferente demais da Alice que eu tenho na minha mente, haha.

    Beijocas,
    http://www.segredosentreamigas.com.br/

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    1. Eu realmente não entendo o que as pessoas veem de tão negativo nesse livro, respeitando claro a opinião e o gosto de cada uma das pessoas. A criatividade com que a autora desenvolveu tudo é simplesmente brilhante. Além disso, a protagonista não é a Alice. É a tataraneta dela. Então o livro é meio que mais como uma continuação que uma releitura propriamente dita.

      Beijão!
      Café com Letras

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  4. Olá,
    Alice nunca foi minha personagem favorita, embora eu goste de magia e fantasia, acho que tudo é um pouco exagerado demais, louco demais e por essa razão nunca li essa versão.
    Gosto de mocinhas que não sejam frágeis, contudo, tem que ser dosado para que não pareça arrogância.
    Acredito que essa leitura não seja minha prioridade, mas você mostrou pontos importantes a quem estivesse com a menor dúvida!
    Beijos
    Chrys Audi
    www.todasascoisasdomeumundo.com.br

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    1. Acontece que Alice no País das Maravilhas não é só um universo de fantasia. É um universo psicodélico, em que tudo tem que ser irreal, louco, totalmente fora do normal e das leis lógicas, e é isso que faz da história tão legal.
      Abraços.

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  5. Oi, Luiz! Tudo bem? Assim como você eu sou apaixonado pela história de Alice no País das Maravilhas e desde que vi que a Novo Conceito ia lançar esse livro da A. G. Howard fiquei super interessado em lê-lo, pois sua premissa chamou bastante a minha atenção! Ainda não consegui ler ele, mas espero fazer isso logo! Parabéns pela resenha! :)

    Abraço

    http://tonylucasblog.blogspot.com.br/

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    1. Heeeeeeeeey. Bom saber que tu curte as peripécias da Alice pelo País das Maravilhas também. O marketing desse livro foi super pesado, e não houve quem não quisesse ler. Infelizmente, só consegui lê-lo esse ano, mas a magia continuou a mesma!
      Até mais!

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  6. Olá Luiz
    Se te disser que não curto Alice, você vai ficar chateado?
    Bom mesmo a história tendo lhe agradado, eu não curti muito a temática.
    Beijos

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  7. Oi, Luiz.
    Quando esse livro foi lançado eu fiquei super curiosa para ler, mas o tempo foi passando e minha animação foi sumindo, mas lendo sua resenha fiquei animada novamente. Eu gosto da história de Alice e acredito que iria gostar dessa releitura, pois parece ser muito bacana, pelo menos pela premissa parece. Gostei de saber que a protagonista não é uma garota frágil, estou cansada de livros com personagens femininas assim e saber que os personagens são bem desenvolvidos é um ponto bem positivo também. Enfim, gostei muito da sua resenha, porque ela está bem rica de detalhes.

    Beijos :*
    Larissa - http://srtabookaholic.blogspot.com

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  8. Oi, Luiz.
    Eu nunca fui fã de Alice quando eu era criança e até hoje só vi o último filme lançado. Porem eu adoro releituras, principalmente quando elas vão para esse lado mais sombrio! Adorei a sua resenha, sério kk
    Beijos

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    1. Oi Edna,
      Fico feliz que tenha gostado do que escrevo, e espero mais ainda que goste do livro de A. G. Howard assim como eu gostei.

      Obrigado pela visita!

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  9. Oii, também li esse livro e gostei. Só achei o Morfeu muito chato e metido a besta, sei lá, ele não me agradou mas eu acho que foi ele quem deu o pega na estória. Estou pensando em comprar o 2º livro mas estou com minhas duvidas haha

    Beijos ;*
    Proseando com uma BibliophileFacebook

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    1. Acho que todos esses personagens nesse estilo são chatos e metidos a besta. Ele se enquadra bem no perfil do Klaus Mikaelson e talvez no do Enzo de TVD. São personagens ótimos com tramas legais, mas exageram em quererem ser os donos do poder da trama.

      Obrigado pela visita!

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  10. Eu quero!!! Onde é a fila do ganhar??? Ganhei uma das versões de Alice (acredito ser o meu primeiro), a unica vez que ouvi a história foi aos 5 anos, mamãe quem leu pra mim..

    Beijos

    http://interessantedeler.blogspot.com.br/

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  11. Olaa
    Parece ser um livro muito interessante ainda mais para fãs de Alice, que bom que curtiu a leitura, sua resenha me deixou muito curiosa e empolgada pela leitura haha.

    Beijos
    Reality Of Books

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  12. Olá, tudo bem?

    Essa obra divide opiniões. Apesar de ser unanime que a capa dele é linda, já vi várias pessoas que não gostaram da obra, alguns alegam que a protagonista está MUITO diferente da original, o que já era de se esperar, afinal é uma adaptação. Já outros reclamaram da narrativa, porém, outros gostaram, então acho que só lendo para saber. Eu particularmente gosto quando as personalidades mudam em uma adaptação, caso contrário, se eu quisesse ver a mesma coisa pegava o livro original, não é!? Gostei da sua opinião, soube apresentar uma análise bem completa da obra.

    Abraços,
    Matheus Braga
    Vida de Leitor - http://vidadeleitor.blogspot.com.br/

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  13. Ganhei esse livro como parceria... admito que no começo eu não tinha vontade de ler mas agora minha curiosidade foi aguçada.
    Parabéns!
    Beijos
    clubedolivrope.blogspot.com.br

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  14. Olá,
    Esse livro parece ser incrível, ainda não li, mas adoro releituras e a premissa dessa em especial super me interessou. Adorei a resenha!
    Beijos.
    Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

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  15. Oii! Ao mesmo tempo que tenho vontade de ler o livro eu fujo dele como o diabo foge da cruz, hahah. Amo releituras, e amo ainda mais Alice, mas vi tantas críticas negativas e são tantas diferenças que tenho medo de o livro estragar a história pra mim!
    Amei sua resenha, os pontos que ressaltou das diferenças e dos personagens. Me deixou meio dividida, e novamente com vontade de ler o livro, haha.
    Beijos
    www.romanceseleituras.com

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  16. Eu AMEI essa diagramação. Ficou bem legal, diferente do comum. Só que acabei dando o livro pra colunista e agora nem tenho previsão. Gosto de releituras, ainda mais porque essa tem uma relação com o original, como se fosse um spin-off.
    Sua resenha, além de boa, ficou fofa com esses desenhos e gif. Você conseguiu abordar bem o livro e preparar o leitor pro que o reserva.
    Beijinhos!
    Giulia - www.prazermechamolivro.com

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